Ontem pela amanhã, ao abrir
meu e-mail, recebi mais uma triste notícia de uma situação de violência contra um
grupo indígena acampado em uma área em litígio e a espera da continuidade do
processo de regularização fundiária da terra indígena. O acampamento se
localiza em Amambaí, sul de Mato Grosso do Sul, a menos de cem quilômetros da
fronteira com o Paraguai. O acampamento está localizado em uma pequena parte da
área de ocupação tradicional chamada Guaiviry. A área esta
inserida no conjunto de terras indígenas que deverão ser demarcadas no Mato
Grosso do Sul. O processo de identificação destas áreas começou em 2007 e desde
então vem sido repetidamente interrompido pelos conflitos políticos que o
envolve. Enquanto isso, repetidos atos de assassinatos contra grupos indígenas que
aguardam pela identificação e demarcação destas áreas vem ocorrendo. A situação
de insegurança e medo vivido pelas populações indígenas é insustentável. No ano passado a Survival Internacional publicou
um importante relatório denunciando a situação das populações guarani no estado
de Mato Grosso do Sul. Fiquei
chocada com o que aconteceu e
sabia que não tinha como ficar quieta, não falar nada ou fingir que
estava tudo
bem. Sou professora na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul na
unidade de Amambaí, no curso de ciências sociais. Fique pensando como
daria aula para os estudantes indígenas naquele dia. Então, fui
conversando com os alunos, um a um, e marcamos de nos reunirmos todos para conversamos, até que eles decidiram por
escrever uma carta. A carta foi escrita por eles ficando como minha
responsabilidade a divulgação dela. Na carta, como vocês poderão ver, um aluno da
história e morador da aldeia de Amambaí fala algo muito parecido com o que Marcos
Homero Ferreira Lima, antropólogo do MPF de Dourados diz para a Survival sobre
um acampamento de beira de estrada localizado as margens da BR 163 no município
de Dourados. Homero diz: Não se trata de hipérbole quando se fala em
genocídio, pois, a série de eventos e ações perpetradas contra o grupo, como se
objetivou demonstrar, desde o final da década de 1990, tem contribuído para
submeter seus membros a condições tolhedoras da existência física, cultural e
espiritual. Crianças, jovens, adultos e velhos se encontram submetidos a
experiências degradantes que ferem diretamente a dignidade da pessoa humana. O
modo de vida imposto àqueles Kaiowá é revelador de como os brancos vêem os
índios. O preconceito, o descaso, o descuido, a não consideração dos direitos à
terra, à vida, à dignidade são patentes. A situação por eles vivenciada é
análoga àquela de um campo de refugiados. É como se fossem estrangeiros no seu
próprio país. É como se os 'brancos' estivessem em guerra com os índios e a
estes últimos só restasse a fina faixa de terra que separa a cerca de uma
fazenda e a beira de uma rodovia.
A crueldade do caso envolvendo o acampamento e a truculência dos
assassinos não pode ser tratada como mais um caso de violência. Estamos vivendo
uma guerra de fato, mas é uma guerra que só morrem pessoas de um lado.
Segue a carta dos estudantes Guarani e Kaiowa dos cursos de ciências sociais e
história. As informações contidas na carta foram recebidas por pessoas que
estavam no acampamento na hora do massacre. Peço, por gentileza, que ajudem na divulgação para que possamos agregar
mais gente na luta contra a violência contra os povos indígenas.
Por volta das seis horas
chegaram os pistoleiros. Os homens entraram em fila já chamando pelo Nísio. Eles
falavam segura o Nísio, segura o Nísio. Quando Nísio é visto, recebe o primeiro
tiro na garganta e com isso seu corpo começou tremer. Em seguida levou mais um
tiro no peito e na perna. O neto pequeno de Nísio viu o avô no chão e correu
para agarrar o avô. Com isso um pistoleiro veio e começou a bater no rosto de Nísio
com a arma. Mais duas pessoas foram assassinadas. Alguns outros receberam tiros
mas sobreviveram. Atiraram com balas de borracha também. As pessoas gritavam e
corriam de um lado para o outro tentando fugir e se esconder no mato. As
pessoas se jogavam de um barranco que tem no acampamento. Um rapaz que foi
atingido por um tiro de borracha se jogou no barranco e quebrou a perna. Ele não
conseguiu fugir junto com os outros então tiveram que esconder ele embaixo de
galhos de árvore para que ele não fosse morto.
Outro rapaz se escondeu em cima
de uma árvore e foi ele que me ligou para me contar o que tinha acontecido. Ele
contou logo em seguida.
Ele ligou chorando muito. Ele contou que chutaram o corpo de
Nísio para ver se ele estava morto e ainda deram mais um tiro para garantir que
a liderança estava morta. Ergueram o corpo dele e jogaram na caçamba da caminhonete
levando o corpo dele embora.
Nós estamos aqui reunidos para
pedir união e justiça neste momento.
Afinal, o que é o índio para a
sociedade brasileira?
Vemos hoje os direitos humanos,
a defesa do meio ambiente, dos animais. Mas e as populações indígenas, como vem
sendo tratadas?
As pessoas que fizeram isso
conhecem as leis, sabem de direitos, sabem como deve ser feita a demarcação da
terra indígena, sabem que isso é feito na justiça. Então porque eles fazem
isso? Eles estão acima da lei?
O estado do Mato Grosso do Sul é
um dos últimos estados do Brasil mas é o primeiro em violência contra os povos
indígenas. É o estado que mais mata a população indígena. Parece que o nazismo
está presente aqui. Parece que o Mato Grosso do Sul se tornou um campo de
fuzilamento dos povos indígenas. Prova disso é a execução do Nísio. Quando não
matam assim matam por atropelamento. Nós podemos dizer que o estado, os políticos
e a sociedade são cúmplices dessa violência quando eles não falam nada, quando
não fazem nada para isso mudar. Os índios se tornaram os novos judeus.
E onde estão nossos direitos,
os direitos humanos, a própria constituição? E nós estamos aí sujeito a essa
violência. Os índios vivem com medo, medo de morrer. Mas isso não aquieta a
luta pela demarcação das terras indígenas. Porque Ñandejara está do lado do bom
e com certeza quem faz a justiça final é ele. Se a justiça da terra não
funcionar a justiça de Deus vai funcionar.
Estudantes Guarani e Kaiowá dos
cursos de ciências sociais e história e moradores da aldeia de Amambaí.
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